segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Languidez do coração


Ah, vida, vida, vida que se segue...
à escura e eu sob à noite,
em companhia solitária do vento –
vento que sacode as copas das árvores,
vento que arrepia a pele e congela a espinha
assopre, assopre, assopre
forte e arraste junto às folhas
a frustração em forma de desespero qual me domina,
e me assegure outra singela e doce ilusão.
Ah, vida, vida, vida que não revela...
o que as estrelas escondem por detrás do brilho
no avistamento de seu passado enigmático e sombrio
o tetro, o nada, o vácuo, o vazio
de outrora a verdadeira e errante luz.
Ah, vida, vida, vida açoitadora...
que do estalar do chicote em dor
(dor, dor, dor)
do sangue demasiado escorre
a miséria em uma pobre e arrastada poesia
e que da noite alongada e intrépida e fria
transmuta-se, de novo, em um novo belo dia:
um momento célere quão um meteórico clarão
e do impacto outra vez diluídas faz as parcas alegrias
no repleno buraco de ojerizas, prantos e decepção.
Ah, vida, vida, vida encaracolada...
pela maré cheia de complexidade
pressionada no mais denso oceano de mistérios
e de cuja onda devastadora arrebata-nos
e nos leva para o fundo – profundo – 
de corais ocultos e pontudos em segredos. 
Ah, vida, vida, vida não me negue...
os cantos perdidos de belas sereias
pelos quais encanto natural promete
e promete e promete e promete,
mas ao invés naufragadas expectativas sucede
a tristeza e o desamparo de
um eterno sonhador.
Ah, vida, vida, vida fugaz...
retorne em memória a esperança
de uma vez aquela ingênua criança
que reconhecia haver também felicidade
no mundo de incerteza, tristeza e inverdade.
Ah, vida, vida, vida que não espera...
Ah, vida, vida, vida, vida,
simplesmente, vida,
e o desejo
e a realidade.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Dona


Desde cedo, manhã, me descontenta
Mal eu tenha acordado, na açoitada,
Sentimentos vencidos: emboscada
Pois em minha cabeça, há tormenta!

Esquecê-la-ei bem tarde à tarde lenta
Na sombra da memória deslembrada
Arrefecendo a cólera viciada,
Do escravo, teso, que não se afugenta!

Já dá noite; rendido agora estou
À madrugada o tempo remodela
O prostrado dos cacos que ficou.

Da janela do quarto a sentinela
Olhado o céu, o véu de fel foi o que restou...
Dona do pensamento, estrela bela!

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

A perda




Experiências memoráveis.
Saudade indelével...
rasga o peito
o amor sincero.

O calor do abraço,
a potência do beijo
faz cá nó no peito
não mais estardalhaço.

Partilhamos: segredos.
Abrigamos: defeitos.
Enaltecemos: qualidades.
Rompemos: vaidades.

Em seus francos conselhos
dolorosos porventura.
Nos meus,
nos meus...

Planos e anseios
carinhos e afetos
raiva e insultos
lágrimas e tristeza
erros e acertos,
sempre mirando
a escorregadiça felicidade.

Traço inapagável, irrefutável
grande marco em nossa existência
jaz esquecido na eternidade
de um lacônico momento.

Resta o vazio que não se cala
e nem se perde;
encarcerado na angústia da falta,
na quimera da carência.

Combalido no sofrimento,
a seiva remanescente provém da certeza
de ter desfrutado
 instantes maravilhosos,
em sua efêmera, e sempiterna, presença.

.

sábado, 2 de abril de 2016

A partida



Hoje o dia acordou triste.
E temendo presenciar uma despedida,
o sol fizera-se tímido em surgir:
covardemente absconso
na muralha de nuvens cinzas e hostis.

A cantoria aviária desaffinou vigorosamente.
O barulho do mar insiste em enfadar
ondas esvaem-se em cada rebento
e, na areia, não mais imprimem
suas delicadas assinaturas.

A brisa do mar. Ah, a brisa do mar...
marota, sussurra nos ouvidos
verdades e lembranças malquistas
que quedam-se em abandonar.
Poseidon descansa nas profundezas.

A tempestade é contumaz:
trovões ensurdecem a mente
raios cegam um coração
a chuva encharca as esperanças
diluindo-as na sádica realidade.

Arredores dilacerados
em palavras decrépitas e caducas.
Gentis significados outrora imputados  
doravante suspensos pela emotividade            
reclamam sentido e existência.

Erros do passado – o dito e o não dito.
Conglomerado de dúvidas e inseguranças
mixados num coquetel de provações,
ansiosos por serem degustados
de uma só vez, a um só gole.

Neuralgia do rompimento:
insuportável dor
melancólico crepúsculo.
Desfalecido um sentimento declara:
– Aqui jaz o tempo da poesia!



quinta-feira, 10 de março de 2016

Soneto da liberdade



Crime algum cometera, logo triste.
Condenado nasceu, mesmo inocente.
Encarcerado, sempre descontente
sem poder voar, porém, ainda persiste.

Possível salvação? Sonho resiste!
Grades, grossas, robustas fazem frente,
jaz desacreditando o plano em mente;
esperança distante? Já inexiste!

Piedosa mão liberta-o sem demora,
o medo ante a boa-nova encontra a morte;
seu futuro se torna incerto agora.

De porta aberta o peito canta forte:
Oh liberdade bate asas é hora,
ganha o mundo, se doa à sua própria sorte!

sexta-feira, 4 de março de 2016

sábado, 6 de fevereiro de 2016

A entrega


Desnudado o desejo,
pelos seus olhos,
confessado;
adocicado por uma singela taça de vinho.

Incontido sob a cama,
rasgado,
em fel,
o cendal do pudor.

E no meio do caminho,
o meio,
o carinho;
sutil, morosooo.

Alquebrado,
o corpo
frente o calor,
do teu seio.

No anseio
da infinitude,
sou jogado às traças,
prostrado a ti:

lágrimas despedaçadas
d’alma roubada,
derramo-me
em bálsamo

dessa memória
o término
dessa história,
lembrança sem fim...


06/02/2016